Marcio Pereira

Como descrever o objeto de licitação sem direcionamento 

Marcio Pereira

Publicado

há 2 anos

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Como descrever o objeto de licitação sem direcionamento 

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Uma das preocupações da Administração ao publicar um edital de licitação para aquisição de algum produto ou serviço é quanto ao descritivo do objeto a ser adquirido, não podendo haver nenhum direcionamento a determinado fornecedor, de tal forma que várias empresas interessadas possam participar do certame licitatório e apresentar a sua proposta.

De acordo com a Lei, o objeto deve ser descrito de forma suscinta e clara, devendo ser vedadas especificações tão detalhadas que acabem por direcionar o objeto para esse ou aquele licitante. No preâmbulo do edital, deve haver apenas a menção básica do objeto, como por exemplo: “canetas esferográficas”. Contudo, os editais possuem anexos que podem complementar as informações do objeto pretendido, geralmente no anexo denominado Termo de Referência, onde são explicitadas todas as peculiaridades do objeto, principalmente em se tratando de contratação de serviços.

É justamente aí que pode haver um excesso de detalhamento, de tal forma que termine por direcionar o objeto para determinado fornecedor, o qual se encaixa perfeitamente naquele descritivo, podendo aniquilar outro fornecedor que possua o produto com as mesmas características, porém, por algum pequeno detalhe, não atende a 100% do descritivo, ainda que satisfaça perfeitamente a finalidade pretendida pela Administração. Como exemplo, cito um caso peculiar onde tive a oportunidade de atuar: Um grande fornecedor mundial  de caminhões iniciou as vendas no Brasil e, ao decidir participar das vendas ao governo,  invariavelmente,  ficava de fora da licitação pretendida, porque não atendia a determinado item do descritivo do objeto, e geralmente era algo totalmente insignificante para o contexto, como um  interruptor que, de acordo com o edital, deveria estar localizado abaixo do painel, do lado direito do volante, sendo que o dele ficava do lado esquerdo!

Ora! Esse pequeno detalhe não era suficiente para desclassificar a proposta da empresa, pois o seu caminhão possuía todas as demais características, mas o interruptor colocado à esquerda era algo particular da sua linha de fabricação, e em nada diminuía ou prejudicava a sua utilização! Todavia, não se sabe se por desconhecimento ou por qual outra razão, é fato que na maioria das vezes o pregoeiro ou outro responsável pela licitação acabava por desclassificar a proposta da empresa.  Desta forma, já sabendo que o mesmo seria barrado nas licitações que tinham aquele descritivo, resolvemos impugnar todos os editais que eram de seu interesse, solicitando que mudassem o descritivo, permitindo a sua participação, e quando não era acatada a impugnação, apresentávamos uma representação ao Tribunal de Contas e, somente assim, era permitido a sua participação.

Naquele caso, percebemos que os editais eram cópia da cópia, que rodavam o Brasil, indo de uma à outra Administração, em todos os entes federados, sendo que muitos o tinham como modelo único. Isso ocorre também com alguns cadastros estaduais e até mesmo federal, que já possuem um modelo de descritivo para cada objeto a ser adquirido. Ocorre que diante da constante evolução tecnológica, o descritivo de hoje fica obsoleto amanhã, e muitas empresas que acompanham a evolução da tecnologia e do mercado, acabam ficando de fora da licitação por pequenos detalhes que o edital não previu, por ter ficado inerte frente à citada evolução.

A Nova Lei de licitações, Lei 14.133/2021, trouxe uma expressa e curiosa preocupação com o descritivo do edital, ao proibir a aquisição de artigos de luxo, devendo o mesmo se ater à real necessidade da Administração, como se pode observar do seu artigo 20 e § 1°:

“Art. 20. Os itens de consumo adquiridos para suprir as demandas das estruturas da Administração Pública deverão ser de qualidade comum, não superior à necessária para cumprir as finalidades às quais se destinam, vedada a aquisição de artigos de luxo.

  • 1º Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário definirão em regulamento os limites para o enquadramento dos bens de consumo nas categorias comum e luxo.”

Como não poderia deixar de ser, tal previsão depende de regulamentação, para se definir o que se enquadra como sendo de luxo, ou comum!

Em síntese, de acordo com o entendimento doutrinário e jurisprudencial, o que importa é que o produto ofertado seja suficiente para atender com eficiência à finalidade pretendida pela Administração, ainda que o objeto ofertado não possua todas as características e peculiaridades exatamente como citadas no descritivo do edital.

O advogado, consultor e professor Marcio Pereira formou-se em Direito pela Universidade Braz Cubas, em 1997. Foi pós-graduado em Direito do Estado pela Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro, em 2003. Além de se especializar em Licitações, pela Universidade de São Paulo (USP), no ano de 2002 e concluir o MBA em Políticas e Administração Pública, na Escola Paulista de Direito (EPD), em 2013.

Além de consultor e assessor jurídico, Marcio foi professor universitário entre 2007 a 2010, na FaculdadeS Metropolitanas Unidas (FMU)