Marcio Pereira

É necessário judicializar os processos de licitação?

Marcio Pereira

Publicado

há 4 anos

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É necessário judicializar os processos de licitação?

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Licitação, no conceito do saudoso mestre Hely Lopes Meirelles é “o procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse”. Ou seja, a licitação consiste em um procedimento administrativo de competência da Administração Pública para aquisição de bens e serviços diversos de seu interesse, cujo procedimento é submetido ao controle da própria Administração, haja vista que pelo princípio da autotutela administrativa, a Administração exerce o controle sobre seus  atos.  Assim, a Administração tem o poder-dever de anular ou revogar seus próprios atos, quando presentes os motivos ensejadores. Da mesma forma, a Administração possui competência para julgar recursos diversos interpostos pelos licitantes contra sua inabilitação ou desclassificação, ou ainda, contra imposição de sanções no curso da licitação. 

Já ouvi inúmeros licitantes dizerem que não iriam recorrer de determinada decisão, pois quem iria julgar o recurso era o próprio pregoeiro ou presidente de comissão de licitação que o inabilitou, e, dessa forma, não adiantaria recorrer! Ocorre que o direito de interpor recurso é um direito constitucional, em cumprimento ao princípio do devido processo legal que requer a aplicação dos princípios da ampla defesa e do contraditório, para que seja contemplado o Estado Democrático de Direito. Claro que uma decisão administrativa no calor da licitação, durante o seu procedimento, onde são apresentados tantos documentos, pode ser precipitada e equivocada, sendo que com uma boa defesa apresentada em recurso administrativo, a decisão poderá ser revertida, o que acontece com muita frequência.   

O procedimento da licitação é composto por atos sucessivos e cronológicos dentro dos prazos estabelecidos na Lei e, no caso do pregão, os atos são realizados com a celeridade própria da modalidade. Infelizmente, além de existir a possibilidade de não haver tempo suficiente para examinar com o cuidado necessário e a extensão que envolve certa questão, levando  a julgamentos equivocados e prejudiciais, é certo que alguns pregoeiros e presidentes de comissão agem sem o necessário conhecimento legal sobre o tema  e acabam inabilitando ou desclassificando o licitante sem fundamento legal, e às vezes até aplicando sanções indevidamente. 

Apesar disso, é absolutamente válido, plausível e legal, a utilização do Recurso Administrativo como meio de defesa nas licitações, sendo que na grande maioria dos casos, se bem fundamentado, o recurso é provido e a decisão é revertida em favor do licitante que demonstra, de forma legal e documental, que está com a razão. Somente em casos restritos, onde o direito do licitante é desrespeitado, mesmo após a interposição do recurso, é que se deve buscar as vias judiciais, com a ação cabível em cada caso concreto, sob pena de tornar a participação nas licitações totalmente contraproducente,  ao pretender judicializar todo e qualquer problema que encontrar nas licitações. 

Apesar disso, muitos licitantes nos procuram com a intenção de ingressar com medida judicial, normalmente em casos de inabilitação, desclassificação ou aplicação de sanções nas licitações. O pior erro do licitante nem é chegar com a medida já definida, ao dizer que quer entrar com “mandato” de segurança! Claro que nem todos têm obrigação de saber que o correto é Mandado de Segurança, e que mandato se refere a cargo eletivo, ou outro cargo que tenha recebido por delegação ou concessão, é uma incumbência, missão, etc., enquanto que mandado refere-se a ordem judicial. O erro está no fato do licitante achar que a única medida capaz de corrigir o erro da Administração seja o Mandado de Segurança! Por conta dessa pressão de alguns empresários/licitantes, que desconhecem os fundamentos da medida judicial, muitos advogados inexperientes embarcam nesse equívoco e utilizam erroneamente o Mandado de Segurança para requerer algum direito sem atender os requisitos legais, perdendo tempo, dinheiro e oportunidades.

Ora! É certo que essa é a medida mais utilizada em processos licitatórios. Todavia, cumpre esclarecer que o Mandado de Segurança é uma medida restrita e específica, para proteger direito líquido e certo contra abuso de poder, sendo que o direito alegado deve ser provado documentalmente, pois não existe audiência de instrução, ou seja, é uma ação judicial de provas pré-constituídas. A liminar somente será concedida se estiverem presentes os requisitos conhecidos como fumus boni iuris (fumaça do bom direito) e do periculum in mora (perigo da demora). Assim, o direito invocado deve estar bem fundamentado legalmente, sendo necessário, ainda, que se demonstre o risco iminente de perda do objeto em caso de ter que aguardar o julgamento de mérito. Contudo, existem inúmeras outras medidas judiciais que podem garantir o direito do licitante, nas quais é possível  pleitear a concessão de medida liminar, tais como nas medidas cautelares em geral, na antecipação de tutela e em outras diversas ações ordinárias, dependendo de cada caso concreto, a ser decidido de forma correta pelo advogado.  

Desta forma, antes de optar pela medida judicial durante a participação em uma licitação, por qualquer decisão contrária aos seus interesses, procure exaurir os recursos administrativos, além da  possibilidade de se utilizar de representações e denúncias ao Tribunal de Contas competente para ter o seu direito atendido, sem o stress e os gastos desnecessários de uma medida judicial.

O advogado, consultor e professor Marcio Pereira formou-se em Direito pela Universidade Braz Cubas, em 1997. Foi pós-graduado em Direito do Estado pela Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro, em 2003. Além de se especializar em Licitações, pela Universidade de São Paulo (USP), no ano de 2002 e concluir o MBA em Políticas e Administração Pública, na Escola Paulista de Direito (EPD), em 2013.

Além de consultor e assessor jurídico, Marcio foi professor universitário entre 2007 a 2010, na FaculdadeS Metropolitanas Unidas (FMU)