Lucas Luiz

O que é uma crônica?

Lucas Luiz

Publicado

há 3 anos

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O que é uma crônica?

Diz-nos Machado que há um meio certo de começar a crônica: por uma trivialidade. Eis o carimbo da veracidade. Suspeita o mestre, que provenha do encontro das primeiras vizinhas a escarafunchar as ocorrências dos dias. Ou seja, o bate-papo sem maiores pretensões.

Deveria ser essa minha explicação inicial ao leitor dessa coluna. Pois, tempos atrás, quando indagado deixei-me cair pela vala prolixa cuja explicação objetiva faz-se impossível. A oratória tem-me sido uma fraqueza desde miúdo.

Os fatos fortuitos também rendem boas histórias. Basta a capacidade de observação e absorção das miudezas. Caso o cotidiano lhe pareça pobre, não reclame dele, reclame de si mesmo por ser incapaz de evocar suas riquezas. Quem disse foi Rilke.

Porém, fácil enganar-se. Toda pessoa ao contar um acontecimento puxa para si o melhor. A discussão mais banal encerra-se com alguma retórica irretocável, como se soprada pelo divino, seguido do silêncio constrangedor do oponente. Jamais uma briga contada fora perdida. Se o fato ocorre a terceiros tende-se para o lado mais próximo. Há sempre a prévia benevolência para consigo mesmo e os seus. Acaso entre desafetos procura-se o menos condenável. O inimigo do meu inimigo é meu amigo, afinal.

Foi-me custoso o aprendizado: escrever é tomar os grandes pelas mãos. Exige um senso de autoconsciência, reflexão constante para tornar-se testemunha confiável ante a realidade. Por isso, hoje, creio ser perdoável tamanha eloquência aos vinte. A sabedoria espreita-se paulatina, oferece-se tímida durante os anos.

O meio de iniciar-se é uma trivialidade. Pode ser uma explanação não solicitada sobre o trabalho do cronista. Não que a vida seja tão sem graça para necessidade de uma florida (embora seja). O fato: a memória colore a rotina e a memória necessita da linguagem. A simples ida ao mercado da esquina possibilita o desencadeamento de um épico onde nada acontece, mas nos soaria homérico aos olhos atentos. Cabe organizar a confusão. A imaginação sempre será o nosso maior tesouro, é preciso cultivá-la com cuidado.

Iniciou com crônicas no Jornal D'Guararema. Recentemente colaborou com inúmeras Revistas Literárias de prestígio, entre elas: A Bacana, Philos, Ruído Manifesto, Subversa e Mallarmargens. Dá pitacos sobre literatura e artes no blog https://poeminhoscult.wordpress.com/ e no https://medium.com/@luscaluiz-46957 . Além de alimentar com poesia o instagram @lucasluiz_ .