Lucas Luiz
Fezinha
O excesso de conectividade presenteou-nos com as constantes atualizações dos golpes, esquemas piramidais e, também, da valorização da eloquência vazia e promessas mirabolantes. Nem é culpa da tecnologia, esse abstracismo; sejamos justos. Não fosse por ela, certamente encontraríamos caminhos engenhosos para conseguir levar vantagens sobre os nossos semelhantes.
Ser esse um traço inato ao ser humano ou não, já é uma questão para discussões sociológicas-antropológicas das quais me faltam competências.
Atrelada a isso, a pandemia floresceu o jardim da estupidez através das Teorias da Conspiração, do culto ao empreendedorismo, das mágicas soluções financeiras instantâneas.
A praga da multiplicação das Casas de Apostas é apenas um desses sintomas. Tornou-se impossível consumir entretenimento audiovisual despretensioso sem terminar bombardeado por anúncios recheados de oportunidades únicas e termos estrangeiros como stake e handicap. Que me perdoem os adeptos da “Igreja Pentecostal do Marketing Digital”, mas livrarmo-nos disso é fundamental.
Pois bem, malgrado a extensa introdução, mais desabafo sincero que qualquer outra coisa, preciso assumir, diante de vocês, meus leitores, um vício, e, aqui, fazer o mea-culpa.
Como amante do futebol, me julgo conhecedor do assunto, eis-me bom brasileiro. E, também, por algum traço tupiniquim inerente, sou grande esperançoso e desafortunado, desses a tentar sua fezinha diária naquela de “vai que né?!”.
Rastreando as lembranças para encontrar material narrativo, surgiu diante dos meus olhos, o pequeno Lucas a apostar numa enorme zebra na Copa de 2002. Vamos aos fatos:
Nada sabia à época sobre realidade espelhada – das tantas da ficção-científica e sua tênue fronteira com a realidade. Exceto a existência da Ásia: terra do contrário. Os atlas da aula de geografia, porém, maquiavam informações tornando-o idêntico aos demais continentes. Mas em nenhum outro lugar, dedução espontânea, o sol se punha a pino em plena madrugada.
O Mundial confirmava minhas hipóteses ao me obrigar acordar ainda dentro da escuridão para assistir aos jogos.
Ali próximo as oitavas de finais, a professora de educação física (também suspeita no grande complô) sugeriu um bolão da quinta série A. Bastava conduzir os vencedores aos seus respectivos lugares no pódio.
Um inveterado apaixonado por futebol de onze anos como eu, dono da capacidade cognitiva de enxergar as migalhas da grande conspiração – toda a dificuldade de se colorir mapas – jamais sucumbiria ao lugar-comum.
Abstraído, em transe mediúnico, convencido da nitidez dos fatos, iniciei meu exercício de futurólogo mergulhado na verdade absoluta contida nos ancestrais ensinamentos do oriente (aos quais ainda hoje desconheço por completo): sorteei os vencedores como abrindo biscoitos da sorte. E deu Coréia do Sul. O sinal celestial da aposta certeira.
Marquei, peito estufado, o lance mais ousado contra corrente de pensamento vigente no establishment do primeiro ano de Ensino Fundamental II. Exercício de epifania: para marcar gerações na escola Ivan Brasil seria assim. Jogando alto. E na direção contrária ao vento. Sempre. Muito embora minha formação chegasse anônima, eu já era – sem ao menos sonhar – precursor em duas importantes áreas do conhecimento no período “Novo-Normal”: apostas perdidas e teorias desconexas de lastro com a realidade.