Lucas Luiz

A obra pelos pés

Lucas Luiz

Publicado

há 2 anos

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A obra pelos pés

Se através da literatura torna-se possível conhecer outras condições possíveis ao homem, sem as quais seria demasiado limitado o horizonte de realidade; deu-se assim, embora não percebesse tamanha inocência da idade, meu primeiro contato com uma obra narrativa.

A atração, bem verdade, fez-se instantânea por tratar-se de um universo familiar à minha infância; todas as forças imaginativas existentes em mim confluíam em direção ao futebol. 

Desde disputadíssimas pelejas entre os mais variados objetos: isqueiros, tampinhas, brinquedos de super-heróis (sem nenhuma malemolência, vale ressaltar) e os próprios dedos (esses ágeis feitos os anjos de pernas tortas). Passando pela expansão mental deste universo, para clubes com sedes (caixas de sapatos) e países inventados, contando com negociações milionárias (a cotação atual do dinheiro de Banco Imobiliário em nada faz jus a essa época dourada) e um craque: eu; até as partidas reais com os amigos reais pelos campinhos do bairro.

Daí a conexão com “Uma história de futebol” ser irresistível. A narrativa gira em torno da amizade de Zuza e um tal Dico, que, por obra do destino, viria a tornar-se Pelé. Mergulhei de cabeça no enredo ao ponto de sentir as emoções dos personagens como se fossem as minhas. E, de fato, eram. Também eu conseguia conduzir uma bola com competência, ao menos naquele contexto micro, do bairro. Para depois aprontar traquinagens do tipo roubar poncã direto do pé.

Vivi cada parágrafo com o entusiasmo de um biógrafo ao conseguir informações valiosas já perdidas na memória do biografado. Tratava-se de Pelé dando os primeiros passos tais quais os meus. Então, por que não sonhar com o mesmo destino?

Afirmar que eu não tenha virado nenhum fenômeno é dar cabo ao óbvio. Os anos engoliram-me essa quimera. Nem tanto os anos, a realidade implacável. A necessidade de aceitar-me sem autocomplacência e aprender a cavar sob os próprios pés. Mas de tudo ficou-me a valiosa lição em retrospecto: viver cada leitura como uma extensão das probabilidades da existência para ampliar assim a consciência. 

A transição em nada foi-me custosa: na imaginação encontram-se todas as sementes. Os meus gols mais bonitos jamais os fiz, mas sei ainda persegui-los.

Iniciou com crônicas no Jornal D'Guararema. Recentemente colaborou com inúmeras Revistas Literárias de prestígio, entre elas: A Bacana, Philos, Ruído Manifesto, Subversa e Mallarmargens. Dá pitacos sobre literatura e artes no blog https://poeminhoscult.wordpress.com/ e no https://medium.com/@luscaluiz-46957 . Além de alimentar com poesia o instagram @lucasluiz_ .