Lucas Luiz

O campo do Itapema e a sua verve poética

Lucas Luiz

Publicado

há 2 anos

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O campo do Itapema e a sua verve poética

Divulgação/Facebook/Itapema FC

É certo ser o filtro nostálgico motivo de tantas confusões de memória, das quais faz-nos orgulhar – peito estufado – mesmo dos motivos mais duvidosos. Exalto, sim, os tempos de outrora, mas sem deixar de pesar à cabeça as tantas aflições da infância. 

Uma geração anterior julga-se acima da sua sucessora, nada novo, soa mais velho (com o perdão do trocadilho) que dar passos para frente. Abdico-me de tais juízos. Deixo-me guiar pelo coração, mas sem reivindicar o sermão do “nos meus tempos era muito melhor”.

E lá se vão mais de trinta anos desde meu primeiro encontro com este bairro. Abri os olhos quando o Itapema era areia e poeira ao nariz. Não se tinha outra coisa a fazer senão manusear uma bola, descalço.

O futebol sempre me foi paixão inata, e mesmo antes de compreendê-lo em seus aspectos miúdos, já o queria muito. Fosse em casa, no pequeno gramado, onde entre os blocos desfilava os mais belos dribles jamais vistos para uma imensa plateia imaginária. No campo do bairro, quando as questões humanas começavam a desnudar-se àquele menino ingênuo.

Desde cedo carrego comigo a falta de traquejo social, hoje bem disfarçada em campo, verdade seja dita. Não sem antes sucumbir aos mais estúpidos dilemas pessoais. A busca pelo pertencimento de grupo cobra-nos abrir mão daquilo de singular que temos.

Mas foi no campo de futebol do Itapema a descoberta de muitas das grandes questões humanas: a fúria, a inveja, a beleza, a glória. O jogo está repleto desses valores, bem diante dos olhos de quem consagra parte do final de semana para acompanhá-los; ali, diante dos olhos, os confrades mais comuns exprimem-se de poesia por oitenta minutos ou mais.

Há o peso do humor melancólico de Bandeira após um pênalti perdido – resta somente o impulso de aceitar dançar um tango argentino. Ou as metáforas precisas de Drummond palmilhando-nos as tardes em chumbo quando nas derrotas. O sarcasmo de Millôr nas tiradas ácidas ao comentar os companheiros desprovidos da técnica. O cotidiano desnudado por Nelson Rodrigues cujo valor encontra-se na forma de observá-lo e remontá-lo. Assim são as partidas de finais de semana: enredo em aberto de heroísmo e vilania.

E sem querer gabar-me, nesses anos todos, nunca vi alguém tão fora de eixo quanto eu. Mas, se as pernas tortas servem como trunfo no futebol, eis o do artista: seu deslocamento. E aí, perdoem-me todos os outros de três décadas para cá, fui o maior do campo do Itapema e não há margens para discussões.

Iniciou com crônicas no Jornal D'Guararema. Recentemente colaborou com inúmeras Revistas Literárias de prestígio, entre elas: A Bacana, Philos, Ruído Manifesto, Subversa e Mallarmargens. Dá pitacos sobre literatura e artes no blog https://poeminhoscult.wordpress.com/ e no https://medium.com/@luscaluiz-46957 . Além de alimentar com poesia o instagram @lucasluiz_ .