Marcio Pereira

Do luxo ao lixo

A nova Lei de licitações proíbe a compra de itens de luxo

Marcio Pereira

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há 2 anos

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Do luxo ao lixo

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Luxo é uma palavra que define riqueza, ostentação, pompa, opulência, requinte, gala, e tudo o mais que remete a uma vida de abundâncias materiais. É fácil distinguir algo que seja luxuoso, com um simples olhar, seja para um veículo, uma joia, uma roupa, ou qualquer outro objeto que se distingue entre os demais. Por outro lado, de forma antagônica, o lixo pode ser definido como sobra, resto, refugo, sujeira, imundície, impureza, entulho, ou algo que não serve mais para ser utilizado de forma normal e regular. Vivemos em um país onde milhares de pessoas vivem literalmente no/do lixo, enquanto outros vivem literalmente no/do luxo. Fato é que dependendo do prisma de  quem olha, mesmo que alguém não ostente uma vida definida como luxuosa, pode ser visto como tal. É o caso, por exemplo, de um humilde catador que vive nos lixões a procura do seu sustento e olha para alguém indo trabalhar, vestido de terno por força do ofício, dirigindo o seu veículo. Ainda que este esteja pagando com sacrifício a prestação do carro, provavelmente será visto por aquele como de vida luxuosa! Importante notar que em grande contraste, esse mesmo sujeito de terno pode ser visto por alguém que vive na abastada classe A+ como um miserável!!

Nesse país de tantos contrastes e diferenças sociais, as vezes fica difícil definir o que é “lixo” e o que é “luxo”! Essa dúvida se desdobra para o setor Público, devido ao fato da Administração Pública ser o maior comprador do país. Certo é que a nova lei de licitações, lei 14.133/21 proibiu expressamente a compra de itens de luxo pela Administração Pública, ao prever em seu artigo 20, § 1º, que:

Art. 20. Os itens de consumo adquiridos para suprir as demandas das estruturas da Administração Pública deverão ser de qualidade comum, não superior à necessária para cumprir as finalidades às quais se destinam vedada a aquisição de artigos de luxo.

  • 1º Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário definirão em regulamento os limites para o enquadramento dos bens de consumo nas categorias comum e luxo.

Veja que o legislador deixou a cargo dos 3 poderes, a regulamentação do que será definido como artigo comum ou de luxo! Imagine a seguinte situação: o Poder Executivo Federal irá oferecer um jantar a uma comitiva de outro país. Podemos imaginar a solenidade, a pompa, a gala, o requinte naquele ambiente! Parece razoável e óbvio que a ocasião requer algo compatível e a altura da importância do evento, onde será servida uma comida desconhecida da grande maioria dos cidadãos, toalhas, pratos, talheres e demais acessórios caríssimos e de primeiríssima linha. Isso seria considerado luxo?? Esse exemplo é apenas um dentre os milhares de itens que são adquiridos diariamente por todos os recantos do país. Em um primeiro momento, alguém pode dizer que nesse caso depende do bom senso de quem vai comprar, ou seja, para os dias “normais’, pode-se consumir alimentos e produtos “normais”, e em dias ‘especiais” poderia haver o consumo de coisas especiais. Vale lembrar que a Constituição Federal dispõe que todos são iguais, sem quaisquer distinções, e que as licitações são todas bancadas com o dinheiro do cidadão!

Essa questão da escolha do que comprar, no meio jurídico é chamado de poder discricionário, ou seja, o poder de escolha do gestor, dentro da conveniência e oportunidade. Recentemente o STF teve uma compra cancelada pelo Poder Judiciário, devido ao cardápio notoriamente “diferenciado”, o qual foi chamado de “farra da lagosta”. O TCU, já havia apreciado um processo em caso similar (Acórdão 2924/2019), e preferiu não tomar partido, tendo decidido que a Administração tem o poder discricionário para escolher a compra conforme a sua conveniência. Ora! Imagine se o gestor é do tipo que está acostumado a frequentar locais de luxo, com itens suntuosos! Não parece lógico que ele irá olhar para o “normal” com olhos de quem vê o lixo?? 

A dificuldade da definição vai além: Se pensarmos que todos os cidadãos merecem ser bem tratados em qualquer repartição pública, cujos bons serviços dependem do aparelhamento da Administração no tocante aos equipamentos, tais como: computadores, canetas (que escrevem), impressoras (que imprimem), internet (que funcione), cadeiras e outros mobiliários, concluiremos que a Administração deve adquirir bens e serviços de qualidade. A realidade é que em algumas repartições públicas, é comum encontramos máquinas e computadores quebrados, cadeiras sem encosto, banheiros e lavatórios sem papel, sem sabonete, e, quando tem, são de péssima qualidade, enquanto que em outros locais públicos, encontramos tudo funcionando, e com materiais de primeira linha, parecendo até que são produtos “de luxo”!!

A questão não é tão fácil de ser solucionada, e a Lei não o fez! O legislador apenas fez prever a vedação de compras de itens de luxo, parecendo que tal previsão não passa de uma hipocrisia, na tentativa de convencer que está agindo em prol do erário. Já escrevemos aqui que o Estado gasta muito, e mal!! A depender das disposições da Nova Lei de Licitações, esse cenário tende a continuar, pois, o que precisamos, de fato, são reformas profundas, no âmbito administrativo, político e judiciário, mudando, de fato,  a estrutura, para que possamos experimentar as mudanças que todos almejamos! 

Lei 14.133/21 art. 20 § 1°.

O advogado, consultor e professor Marcio Pereira formou-se em Direito pela Universidade Braz Cubas, em 1997. Foi pós-graduado em Direito do Estado pela Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro, em 2003. Além de se especializar em Licitações, pela Universidade de São Paulo (USP), no ano de 2002 e concluir o MBA em Políticas e Administração Pública, na Escola Paulista de Direito (EPD), em 2013.

Além de consultor e assessor jurídico, Marcio foi professor universitário entre 2007 a 2010, na FaculdadeS Metropolitanas Unidas (FMU)