Marcio Pereira

As inovações tecnológicas e as compras públicas

Marcio Pereira

Publicado

há 3 anos

em

As inovações tecnológicas e as compras públicas

Quando criança, eu gostava de assistir à série “Os Jetsons”, um desenho animado criado no início da década de 60, exibido até o ano de 1987. O desenho retratava uma família que vivia em uma realidade absolutamente tecnológica, com carros voadores, robôs que realizavam as tarefas domésticas, videoconferências, viagens corriqueiras para a lua, clonagens e cidades flutuantes, só para dar alguns exemplos. A nossa realidade até então era bem diferente: Viajar de avião era um evento! Era comum encontrar as mulheres todas produzidas nos aeroportos, como se fossem para uma festa, com seus vestidos longos, e os homens de terno e gravata! Os veículos eram ultrapassados e, na avaliação do ex presidente Collor de Melo, se pareciam com carroças. Os meios de comunicação eram de fato anacrônicos, numa época em que as cartas demoravam dias para chegar ao destino, e só os ricos possuíam linhas de telefone.

Para a nova geração, parece que estamos falando de mais 100 anos atrás, mas não! Essa era a realidade até há quarenta anos! Muitas coisas mudaram desde então no Brasil, e foi tão rápido que parece que estamos muito evoluídos no aspecto tecnológico, se compararmos com aquela realidade outrora, principalmente quando vimos crianças de 2 anos manuseando um tablet. É fato que os governos tem se intercalado na busca da inovação tecnológica, até mesmo para acompanhar a dinâmica do mundo globalizado, sob pena de ficar de exclusão do mercado mundial, tão competitivo.  Contudo, pelo que se observa da realidade mundial, ainda temos muito a avançar no aspecto de inovação tecnológica. O lado positivo é que, de fato, existe essa consciência, e uma boa vontade dos governantes nesse sentido.

A primeira grande guinada para essa realidade foi em 2004, com a publicação da Lei 10.973/04, que estabeleceu medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, a chamada Lei da Inovação Tecnológica. Inicialmente a mesma foi regulamentada pelo Decreto 5563/05, cujo Decreto foi revogado pelo atual Decreto 9.283/18. Já em 2005 foi publicada a Lei 11.196/05, que ficou conhecida como “Lei do Bem”, e trouxe benefícios fiscais e tributários na área de tecnologia. Não há como negar a necessidade de se atualizar nesse mundo tecnológico e virtual em que vivemos, tanto nas relações comerciais quanto nos pessoais, sendo certo que as exigências são cada vez mais prementes e evidentes. Devido a todas essas relações virtuais e os riscos que essas relações podem trazer aos usuários da web, foi criada recentemente a Lei Geral de Proteção de Dados, Lei 13.709/18, sendo que algumas de suas disposições ainda prescindem de regulamentação para entrar em vigor e trazer mais segurança aos usuários.

De fato, estamos vivendo uma verdadeira revolução tecnológica, e há que se perquirir:  Será que as relações da Administração Pública, com todas as suas atividades em face dos seus administrados, ou seja, da população, também estão nessa trilha tecnológica? Temos que admitir que sim! Paralelamente, fomos percebendo algumas mudanças nas repartições públicas. Desde o uso efetivo da tecnologia da informação, com o abandono das antigas fichinhas de anotações manuais, até os processos eletrônicos de compras! É fato que considerando-se que o Brasil possui, efetivamente, uma dimensão continental, com  seus 26 estados, mais o Distrito Federal,  5.570 municípios,  e a União, cada um dos entes federados, com suas  inúmeras repartições públicas por todos os recantos, infelizmente ainda assistimos a alguns desmandos e retrocessos,  como por exemplo, funcionários tendo que usar seu próprio laptop  em algumas repartições pelo Brasil afora. Porém, há algum tempo o Poder Judiciário já estabeleceu o processo eletrônico, minimizando os custos e tempo de tramitação dos processos, facilitando o acesso ao judiciário de uma forma geral, o que está sendo cada vez mais presente em outros segmentos, como receita federal, previdência, massificação dos poupa tempos, etc.

Com relação às compras de bens e contratações de serviços pela Administração Pública,  se fizermos uma avaliação da evolução histórica das licitações no Brasil, desde o Decreto 2.926 de 1.862, passando pelo Decreto 15.783 de 1922, denominado como Regulamento de Contabilidade Pública da União que vigorou por muitos anos, até chegar ao Decreto 200/ 1.967, Decreto 2.300/ 1986 e, finalmente à atual Lei 8.666/93, podemos dizer que houve avanços, sim.  Segundo a OCDE, em um estudo realizado entre seus países membros, chegou-se à conclusão de que os gastos do Brasil com compras de bens e contratações de serviços representam 13% do PIB, conforme dados de 2019! O valor que se gasta com as licitações para as aquisições gerais é astronômico, pois a máquina é gigantesca e depende desse consumo, sob pena de parar de girar!

A Lei 8.666/93, tem sofrido duras críticas desde a sua publicação, principalmente pelos juristas de vanguarda. Importante ressaltar que a primeira Constituição Federal que previu expressamente a obrigatoriedade de licitação foi a atual Constituição Federal, que é de 1988, sendo que a Lei 8.666/93 regulamentou o seu artigo 37, inc. XXI. Todavia, para o leitor mais atento, fica claro que a Lei 8.666/93 apenas atualizou o antigo Decreto 2.300/86, cujo Decreto vigorou antes da nova Constituição, e perdeu uma ótima oportunidade de avanço, deixando a Administração “engessada” em vários aspectos, com normas demasiadamente formais e antieconômicas. Como a Lei é de 1.993, e naquele momento a internet era apenas embrionária no país, a mesma se calou a respeito de sua utilização nas compras. Porém, em 2000, em um momento em que era real a necessidade de um governo mais ágil nas suas atividades, e nas compras governamentais,  editou-se a Medida Provisória 2028, criando a modalidade Pregão, para utilização nas compras e contratações de bens e serviços comuns, cuja MP foi convertida na atual Lei 10.520/02. Em seguida foi instituído o Pregão Eletrônico através do Decreto 5.450/05, tendo sido o mesmo revogado pelo atual Decreto 10.024/2019, com regras mais inovadoras.

É certo que na vida privada, hoje o mercado virtual é absolutamente comum, pois o cidadão adquire qualquer coisa através do seu computador ou do seu celular, de qualquer lugar que estiver e, na maioria das vezes, recebe o seu produto com total segurança. Na Administração Pública, apesar dos citados avanços, ainda é necessário um longo processo administrativo, desde a publicação do edital, a realização da disputa, etc, até se obter o bem ou serviço. Porém, já está em estágio bem avançado a ideia de criação de um Marketplace público! É isso mesmo, em um futuro próximo, talvez no próximo ano, já teremos um sistema de licitações no formato de Marketplace, onde a Administração terá à disposição uma gama de fornecedores com seus produtos cadastrados, como se fosse uma prateleira de bens e serviços, com os preços e condições já negociados, prontos para ser adquiridos, sem a burocracia dos processos licitatórios, e com notória economia para o erário, cujo sistema já é largamente utilizado em diversos países, como por exemplo, o Reino Unido. Nesses tempos de pandemia, percebemos que quando o nosso congresso quer agir, age rápido, como se deu com as aprovações de Leis para enfrentamento do COVID19, em especial a Lei 13.929/2020, com flexibilização nas regras para compras públicas, que foi aprovada em tempo Record.

Então, se você se interessa pelo tema ou, se de alguma forma está afeto às compras governamentais, fique ligado, pois os tempos são outros, e logo teremos mudanças nas aquisições de bens e serviços pela Administração Pública, nesse gigantesco mercado das licitações.

O advogado, consultor e professor Marcio Pereira formou-se em Direito pela Universidade Braz Cubas, em 1997. Foi pós-graduado em Direito do Estado pela Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro, em 2003. Além de se especializar em Licitações, pela Universidade de São Paulo (USP), no ano de 2002 e concluir o MBA em Políticas e Administração Pública, na Escola Paulista de Direito (EPD), em 2013.

Além de consultor e assessor jurídico, Marcio foi professor universitário entre 2007 a 2010, na FaculdadeS Metropolitanas Unidas (FMU)