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O QUINTO DIA

Entre o real e o digital; O novo deserto da alma

Junior Siqueira

Publicado

há 6 horas

em

Entre o real e o digital; O novo deserto da alma

Reprodução

Vivemos um tempo curioso: nunca estivemos tão conectados, e, paradoxalmente, tão sós. Entre o toque da notificação e o deslizar dos dedos na tela, criamos um modo de existência que confunde presença com visibilidade. Habitamos dois mundos simultâneos, o real, cheio de imperfeições e silêncios, e o digital, onde tudo é controlável, editável e imediato. O problema é que, aos poucos, estamos desaprendendo a existir no primeiro.

O filósofo Jonathan Crary, em 24/7: Capitalismo Tardio e os Fins do Sono, descreve nossa era como um tempo em que a vida se tornou contínua, sem pausas e sem intervalos. Dormir, descansar ou simplesmente estar em silêncio virou um luxo. A experiência humana, antes feita de ciclos, agora é linear e incessante. Tudo precisa render, até o descanso virou conteúdo.

Outro pensador, Byung-Chul Han, fala da “sociedade do cansaço”, um mundo que trocou a opressão externa pela autoexploração. Somos, ao mesmo tempo, patrões e empregados de nós mesmos. Produzimos, performamos e nos vendemos em pequenas doses diárias de exposição. A hiperconexão prometeu pertencimento, mas o que se instalou foi um cansaço invisível, uma solidão barulhenta.

Historicamente, toda revolução comunicacional alterou a forma de ser humano. A escrita distanciou a fala, a imprensa multiplicou vozes e a internet dissolveu fronteiras, inclusive as interiores. O espaço público se fragmentou em bolhas, e o diálogo deu lugar a monólogos paralelos. Como lembra Crary, vivemos num sistema que transforma até as emoções em capital, tudo é mensurável, clicável e monetizável.

Não se trata de demonizar as telas. Elas são extensão da nossa curiosidade, instrumento de criação e, muitas vezes, ponte de afeto. Mas quando o algoritmo começa a definir o que sentimos, entramos num novo tipo de deserto, um deserto digital, onde a alma perde a referência do tempo, da pausa e da escuta.

Talvez o desafio contemporâneo não seja desconectar-se, e sim reaprender a estar inteiro. Retomar o espaço do silêncio, da contemplação, do diálogo sem audiência. Não é uma cruzada contra a tecnologia, mas a favor da profundidade. Entre o real e o digital, a alma ainda busca um lugar para descansar, e talvez o primeiro passo seja simplesmente olhar para o lado e estar verdadeiramente ali.

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Junior Siqueira fundador da @usekabed e @lojakabed, atua com foco em Reino e Inovação. Está à frente de iniciativas como Radar, Evve, O Novo e Quazar, unindo comunicação, tecnologia e propósito. Casado com @deborapalumo, é pai do Gabriel e da Vitória, e vive com paixão o chamado de transformar ideias em impacto.

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