Junior Siqueira
Da roça à metrópole: Como a oralidade pentecostal ganhou voz na cidade
O crescimento das igrejas pentecostais nas cidades brasileiras está intimamente ligado à cultura da oralidade trazida pelo homem do campo e potencializada pelos meios de comunicação

RESUMO BREVE
A migração do campo para a cidade transformou o perfil religioso do Brasil. A fé pentecostal encontrou no rádio, na TV e na linguagem simples uma ponte com os novos urbanos. Enquanto os protestantes históricos cultivaram a tradição literária, os pentecostais cresceram pela oralidade. As igrejas neopentecostais modernizaram esse modelo. A espiritualidade continua em movimento.
CONTEXTO COMPLETO
A história da religião no Brasil também é a história da comunicação. Quando o país viveu uma profunda transformação com a migração do campo para a cidade, entre as décadas de 1950 e 1980, não foi apenas o cenário urbano que mudou: os modos de crer, falar e viver a fé também se transformaram. Neste contexto, o pentecostalismo encontrou o ambiente ideal para florescer, impulsionado por uma característica marcante: a oralidade.
O protestantismo tradicional, fortemente ligado à cultura do livro, construiu sua influência através da literatura: boletins, bíblias, jornais e panfletos formavam a base da evangelização. Porém, num país ainda majoritariamente analfabeto até a segunda metade do século XX, a expansão por meio da leitura encontrava limites. Em contrapartida, o pentecostalismo, com sua mensagem direta, emocional e falada, encontrou nas rádios e nos cultos uma conexão poderosa com os migrantes recém-chegados à cidade.
“A fé pentecostal encontrou nos meios orais e na linguagem simples uma ponte direta com o povo.”
Essa nova população urbana era composta por homens e mulheres com raízes rurais, pouco acesso à escolarização formal e uma forte ligação com a cultura oral — ou seja, com a fala, a escuta e a experiência vivida da fé. Para essas pessoas, a igreja pentecostal oferecia não apenas uma mensagem espiritual, mas também um espaço comunitário acolhedor, uma rede de apoio, consolo e pertencimento diante da instabilidade da nova vida urbana.
Com o tempo, os meios de comunicação de massa se tornaram grandes aliados. O rádio foi o primeiro grande canal de expansão. Programas como os do missionário Manoel de Mello, fundador da igreja O Brasil para Cristo, atingiam multidões diariamente, criando vínculos emocionais profundos com os ouvintes. Logo depois, a televisão também foi incorporada, principalmente pelas igrejas neopentecostais, como a Igreja Universal do Reino de Deus, que dominaram horários e canais inteiros para propagar sua mensagem.
Diferente do protestantismo histórico, que ainda preserva traços de uma liturgia intelectualizada e centrada na leitura e interpretação teológica, as igrejas pentecostais e neopentecostais apostaram na força do testemunho, da música, da profecia e da emoção. Elas falam a linguagem do povo. Seus templos, muitas vezes, se tornam verdadeiros palcos multimídia — com telões, som alto, palmas e pregações inflamadas. A mensagem é direta, visual, sensorial.
“Das rádios aos cultos televisionados, a espiritualidade pentecostal ecoa por todas as mídias – do campo à cidade.”
Hoje, a oralidade permanece sendo o motor dessas igrejas. Mas agora, potencializada pelos vídeos nas redes sociais, pelos cultos transmitidos ao vivo, pelos “cortes” virais de sermões no TikTok, Instagram e YouTube. O púlpito não está mais apenas no templo — ele está no bolso de milhões, acessado a qualquer hora do dia.
Esse fenômeno mostra que, mais do que adaptar o conteúdo, as igrejas que mais crescem souberam adaptar a forma de comunicar. Falar a língua do povo, literalmente, tornou-se estratégia de sobrevivência e expansão. E nesse cenário, entender a força da oralidade, da emoção e da cultura popular é essencial para qualquer grupo religioso que queira alcançar as massas no Brasil contemporâneo.
NO ALTO TIETÊ
O jornal Batista Paulistano, com sede em Mogi das Cruzes, é um dos registros históricos mais importantes do protestantismo regional. Com 43 anos de publicação, ele preserva a memória e fortalece a identidade evangélica da cidade e do Alto Tietê, sendo reconhecido como fonte relevante na história da fé cristã no Brasil.
Glossário – Termos e Conceitos
1. Oralidade
Forma de comunicação baseada na fala, escuta e experiência. Está ligada à tradição oral e é muito presente em culturas com menor acesso à escrita ou à leitura formal.
2. Literalidade
Referente à prática da leitura e da escrita. No contexto religioso, está ligada ao uso de textos sagrados, livros, boletins e panfletos como meio de evangelização.
3. Pentecostalismo
Ramo do cristianismo protestante que valoriza a experiência direta com o Espírito Santo, manifestações como o dom de línguas, curas e profecias. Cresceu fortemente entre os mais pobres e nas regiões urbanas.
4. Neopentecostalismo
Desdobramento mais recente do pentecostalismo, com foco em prosperidade, batalhas espirituais e uso intenso dos meios de comunicação de massa como rádio, TV e internet.
5. Protestantismo histórico
Grupos evangélicos originados diretamente da Reforma Protestante do século XVI (como presbiterianos, batistas, metodistas e luteranos), com ênfase na doutrina, teologia e estudo bíblico.
6. Evangelização
Ato de anunciar a mensagem do evangelho, ou “boas novas”, a outras pessoas. Pode ser feito por meio de pregação, música, literatura ou mídias.
7. Cultura popular
Conjunto de manifestações culturais de um povo, geralmente transmitidas de geração em geração de forma oral. Está presente em festas, músicas, crenças e expressões regionais.
8. Migração do campo para a cidade
Movimento social ocorrido principalmente entre os anos 1950 e 1980 no Brasil, quando milhões de pessoas deixaram áreas rurais em busca de melhores condições de vida nos centros urbanos.
9. Testemunho
Relato pessoal de fé e transformação espiritual, muito usado em cultos pentecostais como forma de evangelização.
10. Secularização
Processo social no qual a religião perde influência sobre a vida pública e as instituições, tornando-se mais restrita ao âmbito pessoal e privado.
11. Comunicação de massa
Transmissão de informação por meios que alcançam grandes públicos simultaneamente, como rádio, televisão e internet.
12. Cultura digital
Conjunto de práticas sociais e comunicacionais mediadas por tecnologias digitais, como redes sociais, vídeos online e aplicativos de mensagem.