Alto Tietê

Oncologista fala sobre o câncer de mama

Live. Em entrevista exclusiva, Dr. Jorge Abissamra Filho diz que a detecção precoce da doença aumenta, e muito, as chances de cura  

Vania Sousa

Publicado

há 2 anos

em

Oncologista fala sobre o câncer de mama

Julia Andrade

O médico oncologista Jorge Abissamra Filho tem um currículo invejável. Graduado em Medicina pela Universidade de Santo Amaro (UNISA), com residência em clínica médica pela Santa Casa de São Paulo (ISCMSP), em cancerologia pelo Instituto do Câncer Arnaldo Vieira de Carvalho, membro titular da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), ele tem formação em Câncer de pulmão;  cabeça e pescoço pelo MD-Anderson Câncer Center, no Texas. Atualmente, é médico no Instituto do Câncer de São Paulo (ICESP), chefe da Oncologia Clinica do Centro Oncológico do Alto Tietê (COAT), oncologista clínico no (Instituto de Câncer Dr. Arnaldo) IAVC, oncologista do Instituto de Oncologia de Mogi das Cruzes, chefe do Serviço de Oncologia Clínica do H. Ipiranga de Mogi das Cruzes e fundador da Amo Saúde. Neste mês do Outubro Rosa, ele, que é casado com Aretha Chaia Marques Abissamra e pai de duas meninas, uma delas nasceu no dia 9 deste mês, deu uma aula sobre câncer de mama numa entrevista muito especial nos estúdios do O Novo. Confira: 

 

O Novo: Qual a importância do Outubro Rosa?

Dr. Abissamra: É uma excelente pergunta. O Outubro Rosa foi um movimento criado pelas mulheres e pela classe médica americana, para que as mulheres, nesse mês, começassem a pensar se os exames de rotina estavam em dia. Esse grande movimento que é feito hoje no mundo inteiro é para que a gente coloque a dúvida na mulher se ela está fazendo os exames preventivos. O Outubro Rosa não trata só do câncer de mama, mas fala também sobre a prevenção do câncer de colo uterino, que é uma doença que mata cada vez mais mulheres, principalmente onde o acesso à saúde básica é muito precário.

O Novo: A mamografia de rotina em mulheres deve ser feita a partir de qual idade? 

Dr. Abissamra: A indicação está relacionada a mulheres acima de 40 anos, que devem fazê-la anualmente. É obrigação do SUS e dos municípios ofertar a realização da mamografia anual. Isso significa que as mulheres abaixo de 40 anos não têm que fazer mamografia, ou outros exames? Não. Isso significa que têm que fazer outros exames, como ultrassom de mama. E por que a mamografia? Porque é um exame que só consegue identificar nódulos em mamas que já estão sendo substituídas por gordura e isso começa a acontecer na mulher a partir dos 40 anos. Então, se uma jovem realizar a mamografia, o exame vem inconclusivo, ou seja, não é adequado para aquela idade. Todas as mulheres sexualmente ativas ou a partir da menarca, a primeira menstruação, têm que fazer acompanhamento com o seu ginecologista, pelo menos uma vez ao ano.

O Novo: Qual a importância do ultrassom de mama?

Dr. Abissamra: É um outro exame de imagem também muito importante. Indispensável para o diagnóstico em alguns casos, mas geralmente indicado a mulheres abaixo dos 40 anos. É possível ser realizado nas com mais de 40 anos como exame complementar. Se a gente vê uma lesão na mama que não está muito clara na mamografia, complementa-se com o ultrassom ou com uma ressonância, que é outro exame de imagem usado em alguns casos específicos, mas a escolha do exame tem de ser feita pelo seu médico. No geral, a gente orienta as mulheres com mais de 40 anos a fazerem a mamografia anual e as mulheres abaixo dos 40 anos a fazerem a ultrassonografia. 

O  Novo: A detecção precoce do câncer de mama aumenta as chances de cura?  

Dr. Abissamra: Aumenta absurdamente. A gente sabe que não só o câncer de mama, mas toda doença oncológica quando diagnosticada precocemente, as chances de cura aumentam consideravelmente. E no câncer de mama ou câncer de colo uterino isso não é diferente. Imagina que maravilha não seria se nós tivéssemos a possibilidade de fazer um exame de rastreio para câncer de pulmão, câncer de pâncreas? Mas, infelizmente, não temos. Agora, esses tumores ginecológicos, especificamente na mama e no colo uterino, nós temos exames de rastreio em massa para a população. Ainda temos o papanicolau, acessível em todas as Unidades Básicas de Saúde do Brasil; e aqui no Alto Tietê não é diferente. Ele realiza detecção de lesões pré-cancerígenas, lesões anteriores ao câncer, e que podem ser tratadas, evitando o desenvolvimento da doença.

O Novo: Toda mulher com histórico familiar de câncer de mama deve fazer algum exame específico?

Dr. Abissamra: Essa é uma pergunta muito importante, porque a gente sabe que as mulheres que têm um parente de primeiro grau com câncer de mama possuem maior chance de desenvolver a doença. Hoje, nós temos algumas pesquisas genéticas e a principal delas é uma mutação de um próton com gene chamado BRCA1 e BRCA2, que foi a pesquisa que a Angelina Jolie fez e que ficou mundialmente conhecida. Ela acabou realizando a mastectomia bilateral de maneira preventiva. Nós temos alguns exames de rastreio, e o BRCA1 e BRCA2 é um mapeamento genético importante. Infelizmente hoje ele não está disponível no SUS, mas está para quem tem plano de saúde, pois a ANS obriga a operadora a cobrir essa pesquisa genética, que pode nos auxiliar a checar as possibilidades de uma ocorrência de câncer de mama ou câncer de ovário. Agora, se você tem um parente de primeiro grau com câncer de mama, não precisa se desesperar achando que você vai ter também. As chances são muito pequenas, mas elas são discretamente maiores do que as da população em geral. Se você não tem convênio, pois esse exame está custando por volta de 10 mil reais, faça seu acompanhamento na UBS, seus exames de rotina e você estará bem acompanhada e orientada nessa questão.

O Novo: De quanto em quanto tempo devem ser feitos os exames de rotina?

Dr. Abissamra: Geralmente, anualmente. O oncologista ou o ginecologista pode antecipar esse prazo ou até mesmo atrasar alguns exames. Mas, na média, anualmente.

O Novo: Quais os sinais e sintomas do câncer de mama?

Dr. Abissamra: Outra pergunta interessante, principalmente em relação ao surgimento de nódulos. Num passado recente, o Governo Federal realizou grandes campanhas em relação ao autoexame, para as mulheres se tocarem no banho e apalpar a própria mama. Mas o que a classe médica começou a notar: que as mulheres que começavam a fazer o autoexame deixavam de ir ao médico. Elas achavam que só o autoexame era suficiente para notar alguma lesão cancerígena. Para você notar um nódulo, ele já tem que estar grande, com mais de 2 cm. Então, o diagnóstico era tardio. Mas o autoexame é importante? Ele é fundamental, mas existem outras características que precedem o aparecimento de um nódulo e que podem sugerir alguma doença oncológica e devem levar as mulheres a anteciparem a sua visita ao ginecologista. Por exemplo, a inversão do mamilo. A mulher notou que o mamilo ficou invertido, deve procurar um médico para avaliação. Ou, então, o endurecimento da mama; a saída de algum tipo de secreção pelo mamilo, o aparecimento de algum nódulo na axila ou na região supraclavicular, tudo isso pode sugerir alguma doença oncológica e, também, obviamente, um nódulo detectado durante o autoexame. Essas características - é importante deixar claro - não significam que a mulher está com câncer, mas devem levar a mulher a antecipar a consulta.

O Novo: Quantos tipos de câncer de mama existem?

Dr. Abissamra: Existem inúmeros tipos de câncer de mama. As mulheres, muitas vezes, como é uma doença de alta prevalência, ou seja, cada vez mais se faz diagnóstico em relação ao câncer de mama, acham que os tratamentos têm de ser iguais ou semelhantes. É importante ressaltar que cada vez mais a Medicina tem avançado e a gente individualizado o tratamento. Foram feitas pesquisas de mutações genéticas para cada tumor e usando terapia alvo. Existem milhares de tipos de câncer de mama, com uma série de características individuais, e que são tratados de maneiras diferentes. É normal que os tratamentos de quimioterapia ou radioterapia sejam diferentes, individualizados e aplicados de acordo com a mutação genética de cada tumor.

O Novo: O uso de próteses de silicone aumenta o risco de câncer de mama?

Dr. Abissamra: Essa é uma dúvida comum nas mulheres. O Brasil hoje é líder na colocação de prótese de mama, mas todos os trabalhos mostraram que o implante, feito de maneira adequada, por um profissional habilitado, com um produto aprovado pela ANVISA, não aumenta de maneira alguma a incidência do câncer de mama. Outra dúvida muito comum é se a prótese atrapalha o diagnóstico, mas a resposta é ‘não’. Hoje, a colocação de prótese da maneira correta não aumenta a incidência nem atrapalha o diagnóstico. Infelizmente, é diferente, por exemplo, em mulheres que colocam silicone industrial, com um profissional inadequado, isso sim aumenta o risco de lesões.

 O Novo: O uso de anticoncepcional aumenta os riscos de câncer de mama?

Dr. Abissamra: Dependendo do tipo tumoral, ele pode aumentar ou diminuir a incidência. Isso ainda é uma grande discussão dentro das comunidades oncológica e ginecológica, mas alguns tumores podem aumentar ou diminuir a incidência. Não há um consenso direto sobre essa questão.

O Novo: O câncer de mama tem cura?

Dr. Abissamra: Tem. Hoje, com um diagnóstico feito em um período adequado, as chances de cura são altíssimas. O grande problema, no Brasil, são os diagnósticos tardios. As mulheres que não têm acesso ao sistema privado de saúde acabam ficando até três anos esperando os exames. Quando ela consegue realizar o exame, já é um diagnóstico tardio. Eu quero deixar a minha sugestão aos prefeitos da região, governador do Estado e até mesmo ao ministro da Saúde: o Outubro Rosa é um movimento da sociedade, mas infelizmente não é um movimento da classe política. Inclusive gostaria de homenagear o secretário de Saúde de Suzano, Pedro Ishi, que inaugurou um mamógrafo, mas eu não vi em nenhuma outra cidade políticas públicas dentro do Outubro Rosa, vindo da classe política, para que criasse um programa realmente sustentável em relação à campanha. A gente vê uma carreta, mas ela resolve o problema momentaneamente. Passa um mês e as mulheres ficam abandonadas. As mulheres não têm que fazer mamografia só em outubro. Elas têm que fazer o ano inteiro. Em outubro, elas devem só lembrar se os exames estão dentro do prazo correto.O que a gente vê é que algumas cidades conseguem um mamógrafo, aí realizam, por exemplo, 1.000 exames e descobrem 20 cânceres, mas essas mulheres ficam largadas, porque não tem para onde encaminhar. Não tem um mastologista para operar, um oncologista para fazer quimio, um radioterapeuta para fazer radio… Não adianta fazer a mamografia e não oferecer a solução do problema depois. Então, fica aí a minha sugestão: esse movimento não pode ser só da sociedade, precisamos da participação dos dirigentes.

O Novo: Mães que amamentam podem ter câncer durante ou após a amamentação?

Dr. Abissamra: A mulher pode ter câncer em qualquer período, mas pesquisas mostram que mulheres que amamentam têm menos incidência do câncer de mama. As que seguem a orientação dos órgãos de Saúde, que é o aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses e posterior, têm menos probabilidade de ter a doença. Mas é claro que essas mulheres podem vir a ter a doença, não tem como garantir que isso não vá acontecer.

O Novo: O câncer pode voltar mesmo após a mulher ter “alta”?

Dr. Abissamra: Pode. Na medicina existe uma lei que tudo pode; agora a gente sabe que quanto mais o tempo passa, mais difícil a doença voltar. O grande número de reincidências acontece nos primeiros dois anos. Hoje, acompanhamos pacientes até cinco anos após a alta, porque sabemos que, depois desse tempo, a chance diminui muito. Eu já vi reincidências após 12, 13 ou mesmo 14 anos, mas isso é exceção.

O Novo: A reposição hormonal aumenta o risco de câncer de mama?

Dr. Abissamra: As mulheres estão ficando mais independentes. E uma mulher de 50 anos, que está entrando na menopausa, é superjovem, diferente de 30, 40 anos atrás. Essas mulheres querem continuar com a elasticidade da pele boa, a questão sexual, a libido, a questão estética, então,nessa faixa, procuram o ginecologista buscando a reposição hormonal. Agora, essa reposição precisa ser muito bem orientada, porque, se for mal orientada, aumentam muito as chances de câncer de mama. Não é proibido fazer reposição hormonal, mas, no caso das pacientes menopausadas, elas têm que ser bem indicadas. Então as mulheres que têm realmente um baixo risco em relação ao câncer de mama, ao câncer do endométrio, então uma boa indicação não é proibida, é até adequada, mas uma má indicação aumenta consideravelmente a chance da paciente ter câncer de mama.

O Novo: Atualmente, houve um aumento na incidência de câncer de mama em mulheres jovens, por volta de 30 anos. Pode ter alguma relação com dietas ou estilo de vida?

Dr. Abissamra: Cada vez mais nós estamos fazendo o diagnóstico de mulheres jovens, mas é claro que, quanto maior a idade, maior a chance de desenvolver a doença. A tendência é ter cada vez mais mulheres jovens. É importante ressaltar, ainda, que o câncer de mama não é uma doença exclusiva do sexo feminino. Ele também acomete homens, que, muitas vezes, sofrem de casos mais graves por não procurar um médico por questões culturais, por sentir que isso faz deles menos ‘homens’. Isso também vale para o câncer de próstata, por exemplo. Sabemos que 95% dos câncer desenvolvidos hoje na população não são hereditários e estão relacionados ao estilo de vida. Não existe algo específico que gere um câncer, mas um conjunto de fatores. Alimentação inadequada, falta de atividade física, cigarro, bebida alcoólica, estresse, falta de saúde em relação ao sono. Tudo isso, claro, aumenta a incidência dessa doença. Além disso, as questões estéticas mal indicadas e mal realizadas, dificuldade de acesso aos serviços de saúde... Esse conjunto de fatores leva a um aumento de casos em mulheres jovens.

O Novo: Qual a importância da equipe multiprofissional no tratamento do câncer de mama?

Dr. Abissamra: Fundamental. Cada vez mais a equipe multiprofissional tem contribuído para o sucesso no tratamento. O câncer acomete toda a família, não é só o paciente que fica doente, toda a família fica mal. Um acompanhamento psicológico nessa fase do tratamento é fundamental. Uma mulher que está desanimada, desacreditada em relação ao seu tratamento, que não segue a recomendação do seu médico, fica bem pior do que uma que segue as orientações. Uma alimentação adequada para as mulheres que estão fazendo quimioterapia é muito importante, com o acompanhamento de um nutricionista. É importante ressaltar que o oncologista geralmente cuida da parte clínica, então, o acompanhamento com um mastologista, por exemplo, ou com um cirurgião ginecológico importantíssimo. O médico é só uma peça dessa engrenagem, dessa equipe toda que faz o tratamento ter sucesso.

O Novo: Deixe uma mensagem para as mulheres que estão em tratamento e também para aquelas que não foram acometidas pela doença neste mês do Outubro Rosa? 

Dr. Abissamra: O mês de outubro nos lembra de cuidar muito das nossas mulheres. Todo mundo tem mãe, irmã ou filha. Uma mulher doente deixa a família doente. Quando uma mulher vai embora, uma mãe, a casa fica muito abalada. A mulher é, geralmente, a última pessoa a ir ao médico, mas esse mês é quando a sociedade tem que dar a mão para que essas mulheres cuidem delas mesmas. Infelizmente, mais da metade das mulheres brasileiras não estão em dia com seus exames de rotina. A mensagem para quem está em tratamento é que este é um momento muito difícil, de muitas interrogações. O câncer de mama mexe muito com a vaidade feminina, a mama é o órgão que mais representa a feminilidade da mulher.  As que estão em tratamento sentem insegurança em relação à morte, em relação à estética, à feminilidade, em relação ao seu companheiro, à sua família. Mas a mensagem que eu quero deixar para elas é que, apesar de não ser comprovado cientificamente, a gente sabe que as mulheres que enfrentam o tratamento de maneira mais positiva, mais altiva, mais corajosa, essas têm melhores respostas. Eu tenho certeza que são guerreiras. Olha, eu já vi muitos homens desanimarem com o diagnóstico, mas mulheres nunca, elas se fortalecem. Tenham coragem para enfrentar a doença e eu tenho certeza que as respostas serão melhores. Uma última colocação: eu nunca vi homens doentes que foram abandonados por suas mulheres, mas, infelizmente, já vi muitas mulheres doentes serem abandonadas pelos seus maridos (momento de emoção). Mulheres, usem essa força para vencer!