Entrevistas

“Todos precisam de terapia”, frisa a psiquiatra Thais Portes 

Psiquiatra do Hospital Luzia de Pinho Melo e do Centro de Atenção Psicossocial de Guararema, médica afirma que é possível ter uma vida melhor

Vania Sousa

Publicado

há 2 anos

em

“Todos precisam de terapia”, frisa a psiquiatra Thais Portes 

Júlia Andrade

A médica psiquiatra dra. Thais Portes Ureshino, graduada em Medicina pela Universidade de Mogi das Cruzes desde 2011, respondeu a várias perguntas sobre saúde mental durante live no jornal O Novo. Ela, que é professora do curso de Medicina da UMC desde 2016, também é coordenadora de Residência Médica de psiquiatria do Hospital das Clínicas Luzia de Pinho Melo e também coordenadora do setor de Psiquiatria do mesmo hospital. Além disso, é Médica do Centro de Atenção Psicossocial de Guararema desde 2016 e ainda atende na clínica NISE, em Mogi, onde é sócia- proprietária. 

O Novo:  O que se entende por saúde mental? Explique:

Dra. Thais: O conceito de saúde mental é muito abrangente e as pessoas não têm ideia disso. Você para na rua e pergunta para qualquer pessoa “o que é saúde mental?” e elas vão dizer que é “a ausência de algum transtorno”, mas é muito mais do que isso. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o conceito de saúde mental é caracterizado pela sensação de bem-estar, ou seja, uma pessoa que consegue administrar suas emoções em qualquer setor da sua vida, seja trabalho, escola, casa, relações sociais, isso é bem-estar.

O Novo: Como manter a saúde mental em dia com a correria do cotidiano?

Dra. Thais: É complicado manter a saúde mental nesse mundo acelerado em que a gente vive. Às vezes, é preciso parar, desacelerar, colocar o “pé no freio” mesmo, se não a gente não aguenta. Para ter uma saúde mental equilibrada, a gente precisa mudar o estilo de vida: ter uma boa alimentação, praticar atividade física, interação interpessoal e um sono regular. Essas coisas são importantes para a manutenção do nosso bem-estar.
 
O Novo: Como posso saber que preciso de terapia?

Dra. Thais: Essa é uma pergunta comum e eu digo que todo mundo precisa de terapia. A terapia ajuda no nosso autoconhecimento, para que a gente administre as nossas emoções, melhore nosso comportamento. Todos precisam, mas o que acontece é que as pessoas só procuram ajuda profissional quando alguma coisa “estoura”, quando fica disfuncional ou ultrapassa o limite. E, muitas vezes, nem é a pessoa que percebe, mas, sim, quem convive com ela.

O Novo: Preciso de ajuda, mas não sei a quem pedir. Como devo fazer?

Dra. Thais: As pessoas ainda evitam muito a ida ao psiquiatra, ao psicólogo, então, eu digo: procure um médico que você confie, um médico da família, um profissional que você conheça; ele vai saber a melhor indicação para você. A gente recebe no consultório, por exemplo, pessoas que foram primeiro ao cardiologista, porque tiveram um “ataque de pânico” e acharam que estavam infartando.
 
O Novo: Como sugerir que outra pessoa faça terapia?

Dra. Thais: Como eu falei, às vezes a própria pessoa não consegue identificar que ela está com algum problema. Quem vai perceber é quem está em volta dela; vai perceber uma falta de sono, uma irritação, uma alteração no humor. É uma questão de chegar e falar: “A gente percebeu que você não está se concentrando tanto” ou “você parece meio angustiado”, “alguma ajuda seria importante”. Algumas pessoas aceitam e isso funciona bem; outras não. Então, acaba que você procura ajuda para ajudar outra pessoa.
 
O Novo: Como diferenciar tristeza de depressão?

Dra. Thais: A tristeza é um sentimento natural, todo mundo vai passar; e é algo que a gente precisa passar. Ela faz com que a gente perceba coisas ao nosso redor. Pode vir de algum acontecimento, uma tragédia, mas isso não faz com que você perca sua funcionalidade. Já a depressão é um transtorno de humor, com outros sintomas envolvidos, além da tristeza: como alteração do sono, pensamentos negativos, problemas de memória, falta ou perda de concentração, não ter vontade de fazer coisas básicas, como levantar da cama. Esse é o quadro de depressão e isso não é momentâneo, é algo que pode vir acompanhando a pessoa há muito tempo. Ela é multifatorial, pode ser causada por um fator genético ou mesmo pelo ambiente em que vive.
 
O Novo: Desistir da terapia no meio do tratamento faz parte?

Dra. Thais: Isso é comum de acontecer, apesar das explicações que a gente dá no começo do tratamento, sobre o quão ruim essa interrupção pode ser. “Ah, eu tava bem, parei, e agora eu estou ótima!”, mas será que vai ficar bem? A gente tem muita recidiva (volta) de sintoma, com a interrupção abrupta da medicação. A pessoa procura ajuda porque está com problema. Com a medicação e a terapia, vai se tornando ‘funcional’ novamente, mas  cria a ideia de que a medicação não tem efeito, e para de tomar.
 
O Novo: Tem que tomar remédio a vida inteira?

Dra. Thais: Depende. Eu uso muito a analogia de quem é hipertenso: precisa tomar o anti-hipertensivo a vida inteira? Precisa. Às vezes acontece, sim, da gente parar de tomar, num primeiro episódio depressivo - cujo tratamento não é rápido -, e muitas pessoas conseguem parar, mas isso vai muito de caso a caso.
 
O Novo: E os remédios tarja preta?

Dra. Thais: Antigamente, quando a gente tinha pouco conhecimento das medicações, eles eram mais usados. Eu, pessoalmente, não uso tarja preta. A gente usa pelo menor tempo e com a menor dose possível, justamente pelas questões envolvidas, como alteração de memória e até dependência, que são coisas que os antidepressivos não causam, que é outra dúvida comum. Usamos? Sim, mas pelo menor tempo e dose possível.
 
O Novo: Minha família fala que psicólogo é coisa de gente louca e depressão é falta de Deus. Como convencê-los de que eu preciso de tratamento?

Dra. Thais: Ainda existe, e é muito forte, esse estigma da psicofobia. A gente combate isso com informações sobre saúde mental. Tem gente que começa a entender e tem gente que não, mas vamos convencendo pouco a pouco. Hoje, já se fala muito na mídia e as pessoas começam a se informar, não é algo tão velado quanto antes. Antigamente, as pessoas com transtorno mental faziam o quê? Fechavam as portas da casa, trancavam as janelas, se fechavam de toda maneira possível, mas, felizmente, hoje já não é mais assim.

O Novo: Uma boa estrutura familiar pode evitar o transtorno mental?
 
Dra. Thais: Uma boa estrutura familiar é um fator protetor, mas não impede o desenvolvimento de um distúrbio, porque eles são multifatoriais e podem ser causados por outras coisas. Então, ter uma boa estrutura garante uma evolução no tratamento, um prognóstico muito melhor, mas não é garantia de que a pessoa não vá desenvolver um transtorno.

O Novo:  Quais atividades eu posso fazer para melhorar a minha saúde mental?

Dra. Thais: A mudança do estilo de vida é muito importante. Existem seis pilares da psiquiatria que são muito importantes: o sono, a atividade física, a alimentação balanceada, a interação social, a moderação no consumo de álcool e de tabaco e técnicas de relaxamento para aliviar o estresse.
 
O Novo: Como consigo identificar se tenho Síndrome de Burnout (ou esgotamento profissional)?

Dra. Thais: A Síndrome de Burnout está em alta. Caracterizada pelo cansaço físico e mental em excesso, geralmente é percebido por quem convive com a pessoa. Envolve alteração do sono, que é um dos primeiros sintomas apresentados, irritação e alterações muito bruscas de humor; alteração de memória e falta de concentração para realizar atividades, mesmo ler um livro ou ver uma série.
 
O Novo: Fale um pouco dos transtornos mais comuns: déficit de atenção (TDAH), ansiedade generalizada (TAG), bipolar, obsessivo compulsivo (TOC), Borderline, depressão maior, explosivo intermitente (TEI)?

Dra. Thais: Déficit de atenção e hiperatividade: está em alta também e era muito subdiagnosticado antigamente. Manifesta-se muito em crianças e adolescentes, mas também aparece em adultos. O que acontece é que o cérebro não está totalmente formado e vai acumulando informações e vai tendo uma neuroplasticidade (refere-se à capacidade do sistema nervoso de mudar, adaptar-se e moldar-se ao nível estrutural e funcional ao longo do desenvolvimento neuronal e quando sujeito é exposto a novas experiências), o que acontece é que ele vai aprendendo a administrar e lidar com isso de outra maneira. Ele tem problemas em focar, não consegue ficar parado. São todas as crianças que ficam correndo pela sala? Não. É necessário escutar os pais e professores, juntar todas as informações para diagnosticar. 

Ansiedade generalizada: É um transtorno de humor, como outros, mas a ansiedade é natural e todo mundo tem, e isso é ok; é um fator protetor. Quando ele vira um transtorno, qualquer coisa deixa a pessoa com esse ‘alerta’ mais aflorado e resulta em estresse. A pessoa fica o tempo todo se antecipando para alguma coisa e fica disfuncional: não consegue dormir, não consegue focar, não consegue relaxar.

Transtorno Bipolar: As pessoas levam muito na brincadeira. O transtorno tem uma fase depressiva, que dura um tempo; e a fase da euforia, em que a pessoa gasta além do que tem; tem muita alteração de humor, um pensamento acelerado. Não é algo ‘no mesmo dia’, uma alteração de humor simples.
 
TOC: Ele pode ser só obsessivo: tem a compulsão; e tem o obsessivo compulsivo. Então, se ela não seguir esse pensamento, tem a sensação de que algo vai acontecer.
 
Borderline: É um transtorno de personalidade muito intenso nas suas ações. Todo mundo tem uma personalidade, algo que nos define, e que pode ser tratada em casos excepcionais. O transtorno de Borderline envolve a aplicação de pouca medicação e muita terapia.

Transtorno explosivo intermitente (TEI): A pessoa ‘explode’ por qualquer coisa. Ela tem uma explosão de raiva por alguma coisa mínima e que só é percebido depois do ato. É tratado com muita terapia e com medicação.
 
O Novo: O tratamento desses transtornos pode ser interrompido?
 
Dra. Thais: Somente sob orientação médica. Alguns deles é possível suspender o uso de medicação por algum tempo, mas outros não.
 
O Novo: Como consigo controlar a minha ansiedade?

Dra. Thais: Se antecipar. Como para essa entrevista, por exemplo, eu vou estudar, vou pesquisar, vou me preparar. Então, realizar algumas coisas para aliviar a sensação ansiosa, exercícios de relaxamento, pesquisar sobre, tudo isso ajuda.
 
O Novo: Fale do Forto (medo de voltar ao trabalho presencial), que surgiu com a pandemia? 

Dra. Thais: Não é uma síndrome, é uma sigla que ficou muito conhecida pelo medo de retornar ao trabalho, porque as pessoas se acostumaram com o “novo normal”. A flexibilização causou muito desconforto e muita insegurança. Muitas pessoas, por causa do isolamento, tiveram transtornos mentais aumentados ou mesmo desenvolvidos por causa disso.
 
O Novo: Dra. fale do impacto da pandemia na vida das pessoas e nos consultórios? 

Dra. Thais: Os consultórios receberam uma demanda maior. Lá no começo eu falei: o ser humano precisa da interação social e a pandemia tirou isso da gente. Até se adaptarem ao “novo normal”, muitos recidivaram e desenvolveram sintomas.

O Novo: Qual a sequela mais comum do vírus na saúde mental? 

Dra. Thais: A perda de memória é algo muito comum no pós-Covid.

O Novo: Qual seu conselho para uma melhor qualidade de vida mental? 

Dra. Thais: Quero que as pessoas pensem sobre o nosso estilo de vida. O mais importante é a mudança de pensamento. Ter isso em mente e lembrar que é importante se cuidar. E terapia. Todo mundo precisa fazer terapia. Isso é muito importante.