Guararema

Pode isso, Arnaldo?

José Freire

Publicado

há 5 anos

em

Pode isso, Arnaldo?

Quem é fiel no pouco, também é fiel no muito; quem é injusto no pouco, também é injusto no muito (Lc 16:10).
Isso quer dizer que os atos comuns que realizamos dizem muito sobre quem somos. Assim, para descobrir o caráter de uma pessoa, preste atenção à atitude que ela assume quotidianamente com relação ao trabalho, relacionamentos, lazer etc.
É notório que o futebol é parte do quotidiano dos brasileiros. Diante disso, se a regra explicitada acima está correta, podemos conhecer aspectos profundos do imaginário brasileiro analisando a atitude dos que torcem pelos seus times. Todo esporte é governado por regras. Quanto mais os atletas, torcedores e juízes respeitarem a regra, melhor será o espetáculo. Com o futebol, isso não é diferente. Em geral, todos parecem concordar que é necessário que os jogadores sigam às regras estritamente para proporcionar um bom jogo aos telespectadores. Entretanto, tudo isso muda quando um time é beneficiado por um erro de arbitragem, seja com um gol erroneamente anulado, um toque de mão ignorado etc. Em 2017, num jogo entre São Paulo e Corinthians, o então atacante do Timão Jô foi injustamente punido com cartão amarelo pelo árbitro por ter pisado no goleiro Renan Ribeiro. Vendo o ocorrido, o zagueiro do Tricolor Rodrigo Caio comunicou ao juiz que fora ele próprio quem pisara no goleiro do Tricolor.
A atitude de Rodrigo Caio dividiu opiniões entre atletas e torcedores. Enquanto alguns o taxaram de ingênuo, outros parabenizaram-no. Normalmente, o torcedor tolera a malandragem no futebol quando ela beneficia seu time do coração. Será que nunca ouvimos a frase Ganhar roubado é mais gostoso?
Essa atitude de condenar a malandragem no futebol somente quando ela é prejudicial a quem fala não se reflete também no quotidiano? Aquele troco a mais que deixamos passar, aquela catraca do metrô que pulamos, aquela aula da auto-escola que assina mas não faz etc. Quando nós empurramos para baixo do tapete nossa sujeira, tudo bem; mas quando vimos alguém fazendo o mesmo, tornamo-nos justiceiros da limpeza.  
Infelizmente, todos padecemos do pecado original brasileiro: o coeficiente de Macunaíma, expressão dita por Roberto Campos certa vez no Roda-Viva.
O herói sem caráter de Mário de Andrade reúne uma coleção de vícios que são celebrados como virtudes. Alguma semelhança com a mentalidade do Ganhar roubado é mais gostoso?
Com tanta desordem e esculhambação, faço minhas as palavras de Galvão Bueno: Pode isso, Arnaldo?
 

José Freire Nunes é  um jovem de 24 anos, que se formou na Universidade de São Paulo (USP) no ano de 2016 no curso de Direito. Atualmente, atua como mentor educacional. Freire, fez cursos no Canadá, Estados Unidos e Inglaterra.  Os cursos consistiram em seminários de verão de 4 dias a até 15 e cursos de inglês de até 4 semanas. 
Os cursos ocorrerem na Universidade de Cambridge (UK), Universidade de Harvard, Universidade de Yale e Bryn Mawr College.